Por Irmão Ciclanus – S+I IV / FRC / M∴M∴
A Escalada
Em 1999 um corpo foi encontrado no monte Everest a mais de oito mil metros de altitude, já muito perto do cume. Tratava-se do alpinista inglês George Mallory desaparecido desde 1924.
Um dos alpinistas que participou do resgate comentou que ficou surpreso pelas roupas que Mallory estava utilizando. Depois de tudo, hoje em dia, qualquer um de uma cidade do Canadá ou do norte dos Estados Unidos estaria melhor preparado para o frio.
É fácil considerar o passado como arcaico, mal preparado, descabido e assim por diante. Mas a verdade é que, no futuro, nós mesmos seremos considerados como despreparados, arcaicos e descabidos, entre outras coisas. Há mais ou menos um século as pessoas morriam de um abcesso que infeccionava porque não havia antibióticos. É admissível que será dito, daqui a um século, que, “por incrível que possa parecer, as pessoas não se recuperavam de um simples acidente vascular cerebral (AVC) ”.
A verdade é que, igual ao Mallory, nos preparamos o melhor que podemos com os meios disponíveis ao nosso alcance, no momento e circunstâncias em que estamos. Mesmo não tendo acesso ao melhor que há em cada instante, nos esforçamos por utilizar “o melhor que há” naquele momento, local e situação que enfrentamos.
Desta forma, a cada grande decisão da vida, olhamos para cima, para o destino de nossa escalada, isto é, olhamos para o que enfrentaremos e muitas vezes vemos um enorme paredão que se estende quase que infinitamente, até o desconhecido.
Nesses momentos de desesperação e descrença podemos usar um velho truque de alguns alpinistas. Estes, durante a escalada, ao verem o quanto e quão desafiador é o que enfrentarão a seguir, olham para baixo e observam o quanto já subiram. Relembrar os desafios já vencidos nos dá um novo e revigorante folego e entusiasmo, e é isso o que nos permite dar mais um passo, depois mais outro, e assim seguir em frente. Mesmo quando na vida estejamos na base de uma montanha, no início de um novo desafio, rememoremos o já conquistado, e finquemos com força o primeiro passo na base do nosso obstáculo.
Numa escalada é provável que levemos alguns sustos. Podemos repentinamente escorregar até num aclive rotineiro; nesses momentos é que precisaremos da corda de proteção que levamos amarrada na cintura.
Por melhor que estejamos preparados para o desafio que estamos enfrentando, este é o momento para entendemos que a ajuda e auxílio dos demais sempre deve ser bem-vinda. Querer andar sozinho, proceder sem uma corda de proteção, pode resultar numa tragédia como no caso do Mallory.
Quando repentinamente escorregamos ou falhamos em nossas conquistas, é quando mais precisamos dos outros. É o momento que percebemos quão importante é o que construímos.
Se continuaremos a escalada ou se pereceremos, depende da resistência da corda. E a resistência da corda de segurança é determinada pelas amizades que cultivamos, pelos laços familiares e até, por vezes, apenas de um simples comentário que escutamos.
Como assim, pode depender de um mero comentário que escutamos?
Podemos explicar recordando que a força das amizades que temos, a firmeza dos laços familiares, e até como interpretamos um mero comentário, dependem de nosso passado que é o que constitui nossa força moral para aceitar nossas fraquezas e limitações, e aceitarmos a ajuda alheia, por mais insignificativa que pareça. Depois de tudo, basta uma única gota de água para finalmente fazer o copo transbordar em quantidade maior que a gota d’água final. Assim, basta às vezes um sorriso para nos dar força e novo ânimo.
Mas se durante nossa longa escalada da vida nos deixamos levar pelo orgulho, soberba, preconceito, prepotência, ira do momento, inveja, egoísmo etc., certamente as amizades verdadeiras serão poucas, os laços familiares fracos, e nenhuma atenção prestaremos às palavras mais sabias do mundo; nessa situação, a resistência da corda que nos previne da queda, será inexistente.
Como Obreiros da Arte Real enfrentamos simultaneamente outra escalada. A do aprimoramento pessoal, a busca do nosso aperfeiçoamento moral. A cada momento, a cada hora e minuto, precisamos dar mais um passo, desbastar uma nova aresta numa escalada escarpada, que é incompreendida pelos demais – uma escalada íngreme e sem platôs ou saliências para descansar.
Haverá nesta altura momentos de dúvidas. Momentos nos quais as trilhas da escalada parecem inacessíveis e invencíveis. Devemos “olhar para baixo”, tal qual um alpinista, e vermos as guerras já vencidas contra nós mesmos. Nestes instantes mais difíceis do caminhar na Senda do auto-aperfeiçoamento, lembremo-nos, em primeiro lugar, de nossa Iniciação, e dos momentos que a precederam. Anteriormente ao dia da Luz indescriptível, enfrentamos dúvidas e críticas, mas não esmorecemos; compreendemos que muitas das críticas eram fruto da não compreensão, por parte dos outros, dos verdadeiros objetivos da vida mística; e que, as dúvidas eram consequência do nosso próprio desconhecimento.
Nos instantes mais difíceis de nossa escalada mística evoquemos nossa Iniciação e a coragem que insuflou nosso coração durante uma maravilhosa e inigualável Cerimônia, a qual instilou esperança no coração e iluminou nosso ser!
Haverá quedas, escorregões e desafios inesperados?
Certamente! Em primeiro lugar somos falhos, como é próprio dos seres humanos. Igualmente, haverá novos desafios e imprevistos peculiares à Senda daquele que busca a Luz. Estas dificuldades são de se esperar, para aqueles que querem ser hoje melhor do que eram ontem.
Nossa vantagem como buscadores da verdade é que na ocasião de nossa queda ou escorregão, teremos mais do que apenas uma corda de segurança. Se realmente trilhamos um caminho para a Iluminação, destarte várias cordas dos irmãos e irmãs desse caminho estarão à nossa disposição. As cordas não só terão a resistência das boas amizades, dos amorosos laços familiares e da sabedoria acumulada, mas cada corda estará reforçada pela Fraternidade que nos une.
Veremos que além daqueles que seguram algumas cordas, outros deixarão momentaneamente os cumes já conquistados, para descer simbolicamente até ao nosso lado e nos estender a mão. Podemos respirar fundo nestes momentos de agrura, porque sabemos que cada irmão e irmã, segundo sua capacidade, estará à nossa disposição até que consigamos ter a sustentação necessária para novamente fincar nossos pés com forca e determinação para retomarmos a nossa escalada.
Cabe a nós aceitar ou não a ajuda dos irmãos. O nosso livre arbítrio é soberano. Lamentavelmente nada nos impede de usar nosso livre arbítrio e reagir com orgulho, e cortar uma corda com soberba, e cortar a segunda corda com preconceitos, e extirpar a terceira sendo prepotentes, e eliminarmos mais uma negando nossas dificuldades, e reagir com a ira que consumirá outra corda, sermos invejosos e decepar mais uma; bastará um pouco de inveja para ceifar várias cordas e assim, sucessivamente, até retalhar todos os elos da fraternidade que nos dão segurança e esperança.
Portanto, tenhamos muito cuidado, tanto na vida quanto na Via para a Luz, para nunca esquecer o aprendido nas nossas escaladas. Nunca deixemos de olhar para trás com amor, perdão e sabedoria; e para a frente com esperança e humildade. Senão corremos o risco de cortar nossas cordas de segurança e mergulhar numa queda desesperançosa num abismo escuro e sem retorno.
Lembremos, pois, que embora na nossa escalada não possamos controlar tudo o que nos acontece, podemos sim, determinar nossa reação aos acontecimentos, e isto se refletira no número de cordas de segurança que nos sustentarão nas adversidades!
Um Sincero e Fraternal abraço,
Caros Irmãos e Irmãs, Servos da Luz e Obreiros da Arte Real!
Abril/2024